quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Beltrame diz que não se surpreendeu com escolta de bandidos feita por policiais

Em entrevista ao jornalista Fernando Molica, do Informe do Dia, secretário de Segurança do Rio fala que prisão do Nem é só o começo e que 'só vai vibrar quando obra estiver completa'

Rio - Secretário de Segurança do Rio, José Mariano Beltrame, afirmou, na manhã desta quinta-feira, ao jornalista Fernando Molica, do Informe do Dia, que a polícia vai entrar para ficar na Rocinha. Ele não confirmou que a ocupação ocorrerá no domingo, a data vai depender da conclusão de operações prévias.

Beltrame, que estava em Berlim, na Alemanha, e embarcou para o Rio, afirma que o traficante Antônio Bonfim Lopes, o Nem, preso ao tentar fugir da favela, “tem muito o que esclarecer para a sociedade”. Frisou que a facção integrada pelo bandido costuma priorizar a “corrupção de agentes públicos”. Nesta entrevista, por telefone, Beltrame elogiou a polícia e disse que a retomada da Rocinha é apenas o primeiro passo.
Foto: Paulo Alvadia / Agência O Dia
Secretário José Mariano Beltrame: 'A luta só está começando' | Foto: Paulo Alvadia / Agência O Dia

Segundo ele, os poderes públicos e a sociedade precisam ocupar os espaços deixados pelo tráfico. “O Rio não pode perder uma oportunidade como essa”, alerta. O secretário participou de encontros com equipes que fizeram a segurança das copas do mundo de futebol masculino e feminino realizadas na Alemanha.

Quando é que o Sr. soube da prisão do Nem?

Soube hoje de madrugada. A gente veio (à Alemanha) fazer um trabalho e acabou fazendo outro, fiquei o tempo todo acompanhando o desenrolar dos trabalhos no Rio. O mais importante é que esta operação foi planejada há muito tempo. No início de novembro, a polícia começou a fazer o que chamamos de operação combinada na Rocinha. Uma operação que incluiu ações na comunidade e em outros locais, como a Maré. Isto resultou, por exemplo, na morte do Marcelinho Niterói (ocorrida na Favela Parque União no último dia 1º). O trabalho é dinâmico, ao investigarmos uma determinada pessoa, acabamos abrindo outras fontes e novas informações. Esta operação combinada ainda está em curso, só depois de sua conclusão é que iremos ocupar a Rocinha. Fizemos um grande cerco, houve forte produção do setor de Inteligência.

A ocupação, então, não ocorrerá necessariamente no domingo?

Isso, a data não está fechada. Antes, precisamos concluir esta operação combinada.

Há quanto tempo foi tomada a decisão de deflagrar a operação na Rocinha em novembro?

Isso tem muito tempo, nossas ações são sempre planejadas com antecedência. Temos que fechar a data e começar a trabalhar. Sabemos, por exemplo, quando será a próxima operação.


E quanto será? Em que favela?

Não posso dizer, nosso trabalho tem que ser muito cuidadoso, não dá para brincar com isso. Existe uma estratégia, um conceito. O fundamental é quebrar a lógica do domínio do território, tirar o porto seguro desses bandidos, interromper o ciclo. Muitos traficantes eram presos no passado, mas isso não mudava o quadro. O importante é que estamos acabando com o domínio territorial. Bastou a simples ameaça de perda de território para que o bandido (Nem) deixasse a Rocinha. Sem o território, eles ficam vulneráveis, perdem o que têm de mais sagrado. Lá é que eles se estabeleciam com armas de guerra, acuavam a população. A prisão de bandidos não era suficiente, era importante acabar com o domínio das áreas.
Foto: Gabriela Moreira / Agência O Dia
Nem da Rocinha, preso pelo Batalhão de Choque na noite desta quarta-feira | Foto: Gabriela Moreira / Agência O Dia

O Sr. acha que seria possível estabelecer um domínio territorial como o que foi criado em tantas favelas do Rio sem conivência de setores da polícia e da própria política?

As organizações criminosas, de um modo geral, se estabelecem graças à participação de agentes públicos. Mas, acima deste ponto, existe a resposta da população. O que estamos fazendo é apenas uma parte disso, a retomada do território. Mas ainda há uma série de outras questões que precisam ser enfrentadas, a ocupação policial apenas abre várias oportunidades. Antes se dizia que não dava para entrar nessas comunidades. Agora que estamos entrando, o estado, a prefeitura, a União, a iniciativa privada e a sociedade como um todo têm que ocupar seus espaços nessas favelas. O Rio não pode perder uma oportunidade como esta, o Estado precisa ocupar o lugar que era dos traficantes, essas áreas precisam ser integradas à sociedade. A segurança deu apenas o primeiro passo.

Sempre se dizia que as favelas dominadas pelo tráfico eram territórios inexpugnáveis. A experiência das ocupações, em especial no Alemão e, agora, na Rocinha, mostra que isto não era verdade, revelou que o tráfico teme uma ação organizada. O que mudou?

Nós fizemos um planejamento, agimos com lisura e transparência. A partir da primeira UPP (a do Morro Dona Marta) e com o ápice da ocupação do Alemão, ficou clara a nossa política de ocupação sem confronto. Criamos uma estrutura para isso, nós só não tínhamos a variável do que se passava na cabeça do criminoso. Organizamos uma força para mostrar que entraríamos sem confronto. O Alemão nos deu esta lição. Agora, vamos entrar e não vamos sair da Rocinha, vamos deixar isso claro para a sociedade.

O fato de o Nem não ter sido morto é importante, não? Ele, que tinha tantas relações com a vida da comunidade e também com o universo político mais geral, certamente tem muito para contar...

Espero que ele tenha prestado um bom depoimento, ele tem muito o que esclarecer para a sociedade. Não podemos obrigá-lo a falar, mas é importante que ele faça essas revelações no processo judiciário. Até porque a facção que ele integra (ADA) não é tão adepta do confronto quanto uma outra (o Comando Vermelho). A facção dele atua, principalmente, na corrupção de agentes públicos.



O Sr. se surpreendeu ao saber que traficantes foram presos enquanto fugiam escoltados por policiais?

Não, não me surpreendi. Neste período em que vivo no Rio, aprendi o tamanho que esse tipo de coisa pode atingir. Mas temos também a dimensão dos bons policiais civis e militares. Eles são a maioria, são pessoas que fizeram a prisão do criminoso, que deixam o sangue na farda, e que, agora, estão muito felizes. Estamos prendendo policiais civis, militares, delegados, é um processo que avança. Mas o fundamental para a sociedade é que a maioria é formada por bons policiais.

Como o Sr. classifica a atuação da Polícia Federal?

A Polícia Federal está conosco desde 2007. Ela tem suas limitações constitucionais de atuação, mas tem ajudado muito, principalmente no campo da inteligência policial.

O Sr. comemorou esta vitória?

É uma vitória, claro, foi um trabalho bonito. Mas, como eu costumo dizer, estamos vivendo a construção de algo maior. Prefiro comemorar e vibrar quando a obra toda estiver pronta. O importante são os resultados para o Rio de Janeiro. Estamos implantando uma nova maneira de atuar, prefiro que os resultados sejam um pouco lentos, mas que sejam sólidos.


fonte: O DIA ONLINE

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