Em entrevista ao jornalista Fernando Molica, do Informe do Dia, secretário de Segurança do Rio fala que prisão do Nem é só o começo e que 'só vai vibrar quando obra estiver completa'
Rio - Secretário de Segurança do Rio, José Mariano Beltrame, afirmou, na manhã desta quinta-feira, ao jornalista Fernando Molica, do Informe do Dia, que a polícia vai entrar para ficar na Rocinha. Ele não confirmou que a ocupação ocorrerá no domingo, a data vai depender da conclusão de operações prévias.
Beltrame, que estava em Berlim, na Alemanha, e embarcou para o Rio, afirma que o traficante Antônio Bonfim Lopes, o Nem, preso ao tentar fugir da favela, “tem muito o que esclarecer para a sociedade”. Frisou que a facção integrada pelo bandido costuma priorizar a “corrupção de agentes públicos”. Nesta entrevista, por telefone, Beltrame elogiou a polícia e disse que a retomada da Rocinha é apenas o primeiro passo.
Foto: Paulo Alvadia / Agência O Dia
Secretário José Mariano Beltrame: 'A luta só está começando' | Foto: Paulo Alvadia / Agência O Dia
Segundo ele, os poderes públicos e a sociedade precisam ocupar os espaços deixados pelo tráfico. “O Rio não pode perder uma oportunidade como essa”, alerta. O secretário participou de encontros com equipes que fizeram a segurança das copas do mundo de futebol masculino e feminino realizadas na Alemanha.
Quando é que o Sr. soube da prisão do Nem?
Soube hoje de madrugada. A gente veio (à Alemanha) fazer um trabalho e acabou fazendo outro, fiquei o tempo todo acompanhando o desenrolar dos trabalhos no Rio. O mais importante é que esta operação foi planejada há muito tempo. No início de novembro, a polícia começou a fazer o que chamamos de operação combinada na Rocinha. Uma operação que incluiu ações na comunidade e em outros locais, como a Maré. Isto resultou, por exemplo, na morte do Marcelinho Niterói (ocorrida na Favela Parque União no último dia 1º). O trabalho é dinâmico, ao investigarmos uma determinada pessoa, acabamos abrindo outras fontes e novas informações. Esta operação combinada ainda está em curso, só depois de sua conclusão é que iremos ocupar a Rocinha. Fizemos um grande cerco, houve forte produção do setor de Inteligência.
A ocupação, então, não ocorrerá necessariamente no domingo?
Isso, a data não está fechada. Antes, precisamos concluir esta operação combinada.
Há quanto tempo foi tomada a decisão de deflagrar a operação na Rocinha em novembro?
Isso tem muito tempo, nossas ações são sempre planejadas com antecedência. Temos que fechar a data e começar a trabalhar. Sabemos, por exemplo, quando será a próxima operação.
E quanto será? Em que favela?
Não posso dizer, nosso trabalho tem que ser muito cuidadoso, não dá para brincar com isso. Existe uma estratégia, um conceito. O fundamental é quebrar a lógica do domínio do território, tirar o porto seguro desses bandidos, interromper o ciclo. Muitos traficantes eram presos no passado, mas isso não mudava o quadro. O importante é que estamos acabando com o domínio territorial. Bastou a simples ameaça de perda de território para que o bandido (Nem) deixasse a Rocinha. Sem o território, eles ficam vulneráveis, perdem o que têm de mais sagrado. Lá é que eles se estabeleciam com armas de guerra, acuavam a população. A prisão de bandidos não era suficiente, era importante acabar com o domínio das áreas.
Foto: Gabriela Moreira / Agência O Dia
Nem da Rocinha, preso pelo Batalhão de Choque na noite desta quarta-feira | Foto: Gabriela Moreira / Agência O Dia
O Sr. acha que seria possível estabelecer um domínio territorial como o que foi criado em tantas favelas do Rio sem conivência de setores da polícia e da própria política?
As organizações criminosas, de um modo geral, se estabelecem graças à participação de agentes públicos. Mas, acima deste ponto, existe a resposta da população. O que estamos fazendo é apenas uma parte disso, a retomada do território. Mas ainda há uma série de outras questões que precisam ser enfrentadas, a ocupação policial apenas abre várias oportunidades. Antes se dizia que não dava para entrar nessas comunidades. Agora que estamos entrando, o estado, a prefeitura, a União, a iniciativa privada e a sociedade como um todo têm que ocupar seus espaços nessas favelas. O Rio não pode perder uma oportunidade como esta, o Estado precisa ocupar o lugar que era dos traficantes, essas áreas precisam ser integradas à sociedade. A segurança deu apenas o primeiro passo.
Sempre se dizia que as favelas dominadas pelo tráfico eram territórios inexpugnáveis. A experiência das ocupações, em especial no Alemão e, agora, na Rocinha, mostra que isto não era verdade, revelou que o tráfico teme uma ação organizada. O que mudou?
Nós fizemos um planejamento, agimos com lisura e transparência. A partir da primeira UPP (a do Morro Dona Marta) e com o ápice da ocupação do Alemão, ficou clara a nossa política de ocupação sem confronto. Criamos uma estrutura para isso, nós só não tínhamos a variável do que se passava na cabeça do criminoso. Organizamos uma força para mostrar que entraríamos sem confronto. O Alemão nos deu esta lição. Agora, vamos entrar e não vamos sair da Rocinha, vamos deixar isso claro para a sociedade.
O fato de o Nem não ter sido morto é importante, não? Ele, que tinha tantas relações com a vida da comunidade e também com o universo político mais geral, certamente tem muito para contar...
Espero que ele tenha prestado um bom depoimento, ele tem muito o que esclarecer para a sociedade. Não podemos obrigá-lo a falar, mas é importante que ele faça essas revelações no processo judiciário. Até porque a facção que ele integra (ADA) não é tão adepta do confronto quanto uma outra (o Comando Vermelho). A facção dele atua, principalmente, na corrupção de agentes públicos.
O Sr. se surpreendeu ao saber que traficantes foram presos enquanto fugiam escoltados por policiais?
Não, não me surpreendi. Neste período em que vivo no Rio, aprendi o tamanho que esse tipo de coisa pode atingir. Mas temos também a dimensão dos bons policiais civis e militares. Eles são a maioria, são pessoas que fizeram a prisão do criminoso, que deixam o sangue na farda, e que, agora, estão muito felizes. Estamos prendendo policiais civis, militares, delegados, é um processo que avança. Mas o fundamental para a sociedade é que a maioria é formada por bons policiais.
Como o Sr. classifica a atuação da Polícia Federal?
A Polícia Federal está conosco desde 2007. Ela tem suas limitações constitucionais de atuação, mas tem ajudado muito, principalmente no campo da inteligência policial.
O Sr. comemorou esta vitória?
É uma vitória, claro, foi um trabalho bonito. Mas, como eu costumo dizer, estamos vivendo a construção de algo maior. Prefiro comemorar e vibrar quando a obra toda estiver pronta. O importante são os resultados para o Rio de Janeiro. Estamos implantando uma nova maneira de atuar, prefiro que os resultados sejam um pouco lentos, mas que sejam sólidos.
fonte: O DIA ONLINE
Nenhum comentário:
Postar um comentário