Talvez ainda não seja possível afirmar que a pacificação de favelas da Tijuca (a UPP do Morro do Borel abrange seis comunidades antes dominadas pelo tráfico de drogas) contribuiu para aumentar a sensação de segurança no bairro, mas ao conhecer ontem a festa do Alzirão - a torcida mais organizada e até patrocinada do Brasil, na Tijuca - fiquei com a impressão de que vivemos no Rio uma situação curiosa e às vezes difícil de explicar para um estrangeiro. Como é possível a mesma cidade que é alvo de arrastões nas vias expressas, assaltos e tiroteios se comportar com toda a segurança em eventos de massa, como o revéillon, o carnaval e a torcida pela seleção? Será mesmo que nessas horas renasce o brasileiro (nesse caso carioca) cordial de que falava Sérgio Buarque de Hollanda em "Raízes do Brasil"?
Peguei minha videocam, montei na bike e fui conferir se a festa é mesmo tranquila, como tenho ouvido falar. Por uma hora, entre 18h e 19h de ontem, pude constatar que o Alzirão cristaliza um velho estado de espírito do carioca, de se divertir ao ar livre e gastando o menos possível, com bom humor e civilidade. De um pequeno grupo de torcedores - que em 1978 decidiu botar uma TV na rua com algumas cadeiras e muita cerveja - o Alzirão virou uma megafesta de rua, torcida realmente organizada, com patrocinador e tudo, área VIP e o escambau. A imprensa fica sobre um palanque, mas eu nem cheguei perto.
Policiais calcularam a multidão em cerca de 30 mil pessoas, por volta das 18h30m. Crianças, adolescentes, idosos, famílias inteiras, casais de namorados, moradores do asfalto, de favelas vizinhas, vendedores ambulantes legais e ilegais, tem gente de todo o tipo, de todas as cores, verde, amarela, azul e branca. Parece um caleidoscópio do povo brasileiro, com a trilha sorona, às vezes irritante, de buzinas, cornetas e vuvuzelas. Nos prédios vizinhos, há quem fique do lado de dentro das grades e as janelas exibem silhuetas de gente cantando e dançando, lata de cerveja suando na mão. Nas barracas, as bebidas têm preço tabelado, e força os ambulantes a fazerem promoções. Num quarteirão inteiro, o trânsito é totalmente interditado das 12h até meia-noite na Rua Conde de Bonfim, a principal via da Tijuca. A interdição é inclusive programada pela CET-Rio.
A operação Choque de Ordem pode estar por trás da aparente civilidade dos cariocas que vão ao Alzirão, mas tudo bem. Os torcedores posam para fotos até na área dos banheiros químicos, que estão por todo canto e, por incrível que pareça, sem filas. Não vi ninguém fazendo xixi na rua, mas também os guardas do Choque de Ordem estão prontos para deter quem praticar tal ousadia. Há faixas que tentam educar os que sofrem de incontinência urinária: "Marque um golaço. Não faça xixi na rua". O subinspetor Balbino, da Guarda Municipal, que não gravou entrevista, afirmou que até às 18h30m haviam sido presos quatro pessoas que urinavam fora dos banheiros químicos, nas ruas transversais à Conde de Bonfim. Outro alvo do Choque de Ordem na festa são os ambulantes ilegais.
O local era patrulhado por guardas municipais, policiais civis e miliares de vários batalhões, não apenas do 6o BPM (Tijuca). Se quiser, a festa do Alzirão pode inclusive importar tecnologia de segurança pública. Os policiais militares ficam sobre plataformas, um metro acima do nível da rua, para terem maior visibilidade do que acontece no meio da muvuca. Ainda não tinha visto isso.
Obviamente que é preciso tomar cuidado com a carteira e o celular (às vezes um pivete alivia um torcedor, e corre para a favela próxima, sem UPP). Mas não há sinal de grande risco ou violência. No vídeo, registrei uma cena pitoresca, de um policial militar chegando com mulher e filho, com a camisa 10. Provavelmente levou a família para se divertir enquanto faria o patrulhamento do local, bastante bem policiado - talvez seja esse o segredo da paz do Alzirão, que tem o que muita área da cidade não tem: policiamento ostensivofonte :O GLOBO
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