Marcha da maconha: debate ou baderna? - O Globo:
Publicada em 15/06/2011 às 19h53m
Silvio Teles
Boa parte das minorias sociais e da sociedade civil organizada encontrou nas manifestações públicas um modo de chamar atenção do governo. 'Como nunca na história desse país', marchas e paradas, que reúnem milhares de pessoas, são usadas como plataformas atrativas do foco discursivo para os anseios desses grupos 'não ouvidos'.
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A Parada do Orgulho Gay, a Marcha dos Sem Terra, as incontáveis manifestações de servidores públicos, de vítimas da violência ou dos indignados com a corrupção, entre outras, difusas em todo território nacional, são expressões legítimas de parcelas sociais que exigem do Estado uma postura positiva de ação ou, no mínimo, de resposta a seus clamores. Consigo, esses atos públicos trazem a ideia de defesa de um direito posto ou, ao menos, a vontade de tê-lo reconhecido efetivamente.
Entretanto, um movimento intitulado Coletivo Marcha da Maconha, criado em 1999, em Nova Iorque, ativo no Brasil desde 2002, e que já se encontra organizado em, pelo menos, 14 importantes cidades brasileiras (entre elas Rio de Janeiro, Belo Horizonte, São Paulo, Porto Alegre, Recife, Fortaleza e João Pessoa) tem suscitado polêmicas discussões. O grupo tem tentado, com pouco sucesso, realizar eventos públicos nos quais há apologia à legalização da maconha, argumentando que o debate sobre essa questão não pode se dar às escuras.
Superando o inevitável bate-boca das esquinas, os ideais construídos em defesa da cannabis sativa, como, por exemplo, o do uso recreativo da droga, sustentados pelo grupo, vão de encontro à estrutura cultural e religiosa de grande parte da sociedade e aos argumentos legais de agentes do poder público, suscitando discussões nos plenários legislativos municipais e estaduais e dando fôlego a acirrados debates nos tribunais.
Juridicamente, o atual conflito se dá no choque da previsão da Lei 11.343/2006, que criminaliza o induzimento, a instigação ou o auxílio ao uso indevido de droga, além das correlações com a incitação e apologia ao crime, previstas no Código Penal, e o princípio constitucional da 'liberdade de expressão e pensamento', arguido pelos defensores da marcha. Mormente, a Justiça tem proibido a realização da marcha, como em 2008, quando nove cidades, das dez que anunciaram o evento, tiveram que cancelá-lo. Em 2009, 2010 e também esse ano, inúmeras medidas liminares foram conseguidas, impedindo a realização do evento.
Agora, o STF decide se a realização de tal marcha é, ou não, legal. Em uma ação movida pela Procuradoria Geral da República, ao lado da Associação Brasileira de Estudos Sociais do Uso de Psicoativos (Abesup), os ministros têm a oportunidade de dizer se o movimento incorre em prática criminosa ou se é apenas o exercício regular de um direito.
No meu entender, para decidir de forma acertada, o STF não pode pensar no movimento teoricamente. Ele deve conhecer o que, de fato, é realizado em cada marcha, como se comportam os seus membros e se o foco do movimento é a discussão racional sobre a legalização do uso da droga ou se se trata de reunião onde há predominância de outros fins, à margem da lei.
Não se trata, sinceramente, de tolher a liberdade de expressão e pensamento, mas de não permitir seu uso como pretexto para a prática de crimes. Marchar pelo reconhecimento da união homossexual pode parecer afronta moral, aos olhos conservadores, mas não é ofensa jurídica. Muito menos, clamar pacificamente pela reforma agrária ou pela 'limpeza' nas assembleias legislativas. Pleitear a legalização da maconha também não.
Mas, o que se tem visto na Marcha da Maconha não é isso: o ato público mais se assemelha a uma reunião de usuários que aproveitam a 'autorização' estatal para exibir e consumir seus baseados e incitar outros à prática de comportamentos ilícitos desaconselháveis, a exemplo do ocorrido na Paraíba, em 2008, mesmo com a proibição judicial. Trata-se de conduta criminosa que autoaniquila, por seu caráter ofensivo, qualquer liberdade de expressão e pensamento.
Assim, concordando que o uso científico, medicinal, industrial - e até recreativo - da maconha tem se mostrado viável, como apontam inúmeras pesquisas, acredito que essa discussão deve ser conduzida por órgãos sérios, em tudo, dissociados dos atuais fins meramente ilícitos a que muitos destinam a droga. Não se trata de um debate passional e, sim, técnico e legalista.
Sobre a Marcha da Maconha, independentemente da decisão tomada pelos ministros do STF, enquanto não estiver nítido o entendimento da verdadeira bandeira a ser levantada e, principalmente, de como devem agir os participantes desse ato, desejo não vê-la, nem em marcha à ré.
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