Dados preliminares de pesquisa realizada pela Universidade Federal de São Paulo mostram que consumidores tiveram desempenho inferior a pessoas que não usam a droga em testes neuropsicológicos.
Ao contrário do que apregoa um verso musical muito popular entre os jovens, a ciência tem demonstrado que a "erva natural" pode, sim, prejudicar o organismo humano. Resultados preliminares de uma pesquisa em andamento na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) mostram que consumidores de maconha têm performance até 30% inferior à de pessoas que não usam a droga em testes relacionados à capacidade de atenção, processamento de informações, abstração, organização de idéias, tomada de decisões e memória.
De acordo com a coordenadora da pesquisa, a doutora em saúde mental e especialista em dependência química Maria Alice Novaes, diversos estudos científicos demonstram os prejuízos causados pela droga, em detrimento de informações propagadas na sociedade.
"Há uma cultura forte e equivocada, não sei se em algum momento vamos quebrar isso, de que a maconha não causa danos. As pessoas acham que porque é uma planta seria inofensiva. Queremos refutar essa idéia, por meio de dados científicos", diz a pesquisadora.
Foram avaliadas, na primeira fase do estudo da Unifesp, cerca de 180 pessoas, das quais 130 eram viciadas na droga. As 50 restantes, que faziam parte do grupo de controle, não usavam maconha. Todas se submeteram a 10 testes neuropsicológicos.
"Em alguns, não houve tanta diferença entre os resultados dos dois grupos, em outros, verificamos discrepâncias significativas", afirma Maria Alice. Variáveis como sexo, anos de escolaridade e idade, segundo a pesquisadora, foram controladas estatisticamente para dar mais credibilidade aos resultados.
Um dos testes mais significativos da pesquisa se assemelha a um jogo de cartas no computador. "Temos duas opções no teste: o monte que ganha mais e perde mais e o monte que ganha menos, mas também perde menos.
Via de regra, o usuário da droga não percebe que indo na opção que ganha mais ele também perde mais. Essa atitude mostra um pouco o comportamento dessas pessoas na vida", explica Maria Alice.
A média de pontos obtidos no jogo de cartas pelo grupo de controle ficou em 17, a dos usuários de maconha foi de 15. "A magnitude da diferença pode não ser grande, mas quem tira 16 pontos já é considerado uma pessoa com problemas.
Do ponto de vista mental, essas deficiências chegam a causar dificuldades na escola, faculdade", afirma a pesquisadora. Durante o teste, ela observou também que os usuários de maconha costumavam repetir estratégias frustradas. "Os erros perseverativos são muito comuns", diz Maria Alice.
Nos testes aplicados para avaliar a memória, a pesquisadora verificou uma capacidade reduzida dos usuários de maconha que começaram o consumo antes dos 15 anos de idade em relação ao grupo mais tardio de dependentes.
"Os consumidores que iniciaram precocemente o uso precisam de maior quantidade de repetições para memorizar adequadamente uma informação", diz Alice. Ela explica que o déficit está relacionado aos maiores prejuízos no cérebro ainda em formação, caso de adolescentes que iniciam o uso da droga cedo.
Na avaliação de Giovanni Quaglia, responsável no Brasil pelo Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime (UNODC), o uso da maconha no país cresceu, mas ainda não está no patamar das nações desenvolvidas.
O último levantamento da ONU mostrou que 2,6% da população consome a droga. Nos Estados Unidos, o uso é feito por 10,5% das pessoas. "Temos que verificar, no próximo estudo, se a tendência será crescente ou não", destaca Quaglia.
Segundo ele, a maconha geneticamente modificada, vendida principalmente na Europa, tem contribuído para aumentar o nível de dependência dos usuários. Na plantação em estufas, o princípio ativo da planta, o THC, é aumentado dos habituais 3% ou 4% para 10%.
"Esse tipo de maconha, chamada também de skank, vicia mais, porém não é muito comum no Brasil", diz Quaglia. A maior parte da droga utilizada no país, segundo ele, vem do Paraguai.
Autor: Renata Mariz
OBID Fonte: Correio Braziliense-DF
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