Publicada em 24/06/2011 às 23h20m
Gustavo Goulart (gus@oglobo.com.br) e Natanael Damasceno (natand@oglobo.com.br)
O vão entre o alambrado e a mureta no alto dos Arcos da Lapa, por onde caiu o turista francês (Foto Mônica Imbuzeiro / Agência O Globo)
RIO - A má conservação do gradil que cerca os trilhos dos bondinhos de Santa Teresa sobre os Arcos da Lapa pode ter sido decisiva para a morte do turista francês Charles Damien Pierson, de 25 anos, que na sexta-feira à tarde se desequilibrou e caiu do veículo , despencando de uma altura de aproximadamente 15 metros, em frente à Fundição Progresso. O acidente aconteceu por volta de 14h20m quando, segundo testemunhas, Pierson escorregou ao tentar tirar fotos de uma amiga. O francês, que viajava em pé no estribo, acabou passando por um vão entre a mureta dos arcos e a tela de proteção, que está bastante danificada pela ferrugem. Agonizando, ele ainda teve sua câmera fotográfica e a carteira com dinheiro roubadas por menores. O acidente aconteceu dias antes do início de obras de restauração da parte superior dos arcos.
VÍDEO: http://oglobo.globo.com/rio/video/2011/23676/
Pierson e a turista alemã Birgit Oppmann, de 31 anos, embarcaram no bonde 7 na estação Carioca, para o passeio por Santa Teresa. Eles haviam se conhecido na quinta-feira no Cabanacopa Hostel, um albergue em Copacabana onde estavam hospedados, e marcaram o passeio pelo bairro para a tarde de sexta-feira. Birgit, que está no Rio há 16 dias, estava sentada, enquanto o francês viajava em pé, fazendo o mesmo que muitos passageiros do bonde.
Polícia vai investigar homicídio culposo
O delegado adjunto Leonardo Salgado, da 5ª DP (Gomes Freire), disse que o caso está sendo tratado como acidente, mas informou que vai investigar a má conservação do gradil e, se confirmado o mau estado, poderá indiciar os responsáveis, por homicídio culposo. À noite, policiais estavam no albergue em Copacabana, aguardando a chegada de amigos do turista.
- Eles ainda não sabem o que aconteceu. Vamos trazê-los aqui para prestar esclarecimentos - disse o delegado.
A Secretaria estadual de Transportes, responsável pela operação dos bondinhos de Santa Teresa, afirmou na noite de sexta-feira, em nota oficial, que o veículo deixou a estação Carioca com 40 pessoas embarcadas, máximo permitido, e sem passageiros no estribo. Disse ainda que, por medida de segurança, os bondes reduzem sua velocidade para apenas cinco quilômetros por hora ao percorrer os Arcos da Lapa.
Quanto ao gradil, a secretaria argumenta que a peça tem o objetivo de evitar a queda de objetos, não tendo sido pensada para segurar um passageiro. O órgão cita ainda a impossibilitada de fazer qualquer alteração na estrutura, porque os Arcos da Lapa são de responsabilidade do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
A turista alemã Birgit Oppmann, que acompanhava a vítima no passeio, chora ao comparecer à 5 DP (Gomes Freire) para prestar depoimento (Foto: Paulo Nicolella / Agência O Globo)
Apesar disso, tanto o secretário municipal de Conservação, Carlos Roberto Osório, como o superintendente do Iphan no Rio, Carlos Fernando Andrade, afirmaram que os operadores dos bondinhos é que têm a responsabilidade de garantir a segurança dos seus passageiros. De acordo com Andrade, a ferrugem já estaria danificando as obras da primeira fase do projeto de restauração dos arcos, inaugurada no fim de março.
- Já havíamos detectado esse problema (a oxidação do alambrado), pois ele estava danificando a estrutura recém-restaurada do monumento. Tanto que, embora não fosse um problema de nossa responsabilidade, propomos a troca do gradil danificado na segunda fase do projeto - afirmou o superintendente do Iphan.
Já havíamos detectado esse problema (a oxidação do alambrado), pois ele estava danificando a estrutura recém-restaurada do monumento. Tanto que, embora não fosse um problema de nossa responsabilidade, propomos a troca do gradil danificado na segunda fase do projeto
O projeto citado por Andrade, a cargo do Iphan e da prefeitura, com financiamento do banco Santander, foi licenciado na última terça-feira e deve começar nos próximos dias. Além de restaurar os trilhos e a parte superior dos arcos, vai substituir o alambrado que acompanha todo o trajeto dos bondes sobre o monumento e está enferrujado em alguns trechos. Mas, a despeito do péssimo estado de conservação dos trilhos e do gradil, as obras só poderão acontecer entre 23h e 4h, para não interromper a operação dos bondinhos. Segundo Andrade, isso fará com que as obras demorem ainda mais.
O músico Gabriel Ares, de 36 anos, carioca que foi passear no bondinho pela primeira vez, disse que estava em pé no estribo ao lado de Pierson quando ele caiu.
- Eu estava em pé observando a paisagem quando, de repente, a acompanhante dele gritou alguma coisa em inglês. Acho que foi: "ele caiu, ele caiu". Olhei e vi o corpo dele lá embaixo. O bonde ficou parado uns 15 minutos. Vimos a Polícia Militar chegar. Depois, o bonde seguiu em frente, com crianças e mulheres gritando apavoradas - contou.
Ares fez parte de um grupo de passageiros do bonde que foi à 5ª DP prestar depoimento como testemunhas. Segundo o delegado Leonardo Salgado, eles contaram que havia duas filas na estação Carioca: uma para os passageiros que viajariam sentados e outra para os que iriam em pé.
- Vou ouvir o pessoal da estação para saber dessas duas filas. Agora, temos que saber se é permitido viajar em pé no meio, se é permitido viajar em pé na lateral. A representante dos bondes disse que já foi permitido viajar em pé, mas que não é mais. Vamos pegar a legislação, as regras de circulação dos bondes e estudá-las - contou o delegado.
A representante dos bondes disse que já foi permitido viajar em pé, mas que não é mais. Vamos pegar a legislação, as regras de circulação dos bondes e estudá-las
A circulação dos bondes foi interrompida após a queda do turista, a pedido de peritos do Instituto de Criminalística Carlos Éboli (ICCE). Na estação Carioca, que foi fechada após o acidente, a turista Fernanda Lima disse que encontrou num site na internet informações sobre a viagem no bondinho.
- Lá, orientam a gente a viajar com emoção, em pé, com o corpo fora do bondinho - disse ela, que foi passear com parentes que vieram de Itajubá, no Sul de Minas Gerais, passar o feriadão no Rio.
Também à noite, representantes do Consulado da França estiveram na delegacia, onde receberam alguns pertences encontrados com a vítima. À tarde, representantes do consulado da Alemanha estiveram na delegacia, para dar apoio a Birgit Oppmann. Funcionários do albergue Cabanacopa se negaram a dar informações sobre a alemã e o francês.
Morador de rua presenciou saque
Na Lapa, o morador de rua Mauro Silva, de 40 anos, contou que viu o turista agonizando e que menores apareceram rapidamente após a queda.
- Eu vi os pivetes roubando o moço caído. Roubaram a máquina fotográfica e o dinheiro dele. Pedi às pessoas que se afastassem, que não mexessem nele. O socorro chegou uns 30 minutos depois da queda, quando ele já estava morto - disse Mauro Silva, que é de Guarulhos, em São Paulo.
Peritos do ICCE estiveram no local da queda e tiraram várias fotografias da tela de proteção. Eles deverão emitir um laudo técnico sobre os motivos da queda do turista, informando como ele passou pelo alambrado.
O corpo do francês permaneceu no chão junto aos Arcos da Lapa até o fim da tarde, atraindo a atenção de muitos curiosos. Ao saberem do que havia acontecido, pedestres se mostravam surpresos e com pena do turista.
fonte : O GLOBO online
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