política
É bem provável que a primeira visita da presidente Dilma Rousseff à Bahia, dois meses depois da posse, não renda um folheto de literatura de Cordel como aqueles antológicos criados pelo Cego Aderaldo, célebre repentista do Crato, e outros grandes da comunicação popular nas feiras do Nordeste em eventos semelhantes.
Mas, convenhamos, a passagem, esta semana, da mandatária maior do País por Salvador, no litoral, e Irecê, em pleno sertão, não pode ser desqualificada por seus atuais narradores e analistas. Ou resumida a pura perda de tempo ou dinheiro público jogado pelo ralo, como alguns apressados da política e do jornalismo sugeriram logo que a presidente pegou o avião de volta ao mundo hermético de seu gabinete no Palácio do Planalto.
Nem é preciso ter muita sensibilidade – ou mesmo sentidos tão atilados quanto os daqueles mestres dos repentes nas praças do sertão - para perceber que Dilma sinalizou o tempo inteiro, em sua rápida passagem pelo andar de baixo da complicada construção chamada Brasil, terça-feira passada.
Jeito cabreiro e pouco dada a reações mais expansivas, a presidente se movimentou na maior parte do tempo envergando um figurino convencional da “mineira típica”: observadora e silenciosa.
Em momentos, porém, por estilo ou pura insegurança, Dilma despiu o modelo pacato das alterosas para “rodar a baiana”, no melhor estilo durão dos gaúchos, e distribuir chineladas. Foi assim, por exemplo, em Irecê, depois de errar a pronúncia do nome da cidade de Ibititá (e ser alertada por políticos locais), quando assinalou mais uma vez, de público, o desconforto na relação com seus atuais assessores de comunicação no Palácio do Planalto.
Assim, “como quem não quer nada, querendo” ( no registro de um observador baiano), ela transmitiu recados, mandou sinais e recebeu sinalizações importantes e reveladoras, principalmente para os mais habituados a lidar com signos da política, do poder e do jornalismo.
Tanto no plano estritamente político e social, como no sempre complexo e escorregadio terreno das experiências pessoais, Dilma Rousseff fez movimentos “para além” (como dizem os portugueses) dos abraços e apertos de mãos.
Foi então que ficaram mais evidentes alguns signos da passagem de Dilma pelo Nordeste esta semana. Por exemplo, o apelo explícito da presidente pela ajuda do carisma do ex, que notoriamente lhe falta.
No evento no sertão baiano, um dos raros momentos de vibração popular autêntica, - não ensaiada previamente com os chefes políticos municipais e estaduais e seus cabos eleitorais - foi quando a presidente, no discurso escutado a maior parte do tempo com apatia, pelo público que enchia o local da festa pelo reajuste do Bolsa Família, transmitiu os recados mandados por Lula para os nordestinos.
Dilma contou que, na véspera de viajar para a Bahia, fora até São Bernardo do Campo, em São Paulo, conversar com Lula. “Ele enviou muitos beijos para vocês, mandou dizer que segue nos ajudando e em breve aparecerá pessoalmente por aqui para abraçar a todos”, disse a presidente, conseguindo assim reações empolgadas da platéia.
Diga-se ainda: a própria escolha da cidade baiana para anunciar o reajuste dos valores pagos pelo programa Bolsa Família e iniciar as celebrações do Dia Internacional da Mulher (ao qual o governo Dilma quer emprestar um significado especial em 8 de março), foi mais um sinal devidamente planejado para render respostas políticas, que fruto de mero acaso.
No estado da Bahia reside a maior legião de beneficiários do programa social que virou a menina dos olhos do presidente Lula, além de mina de votos para a eleição da primeira mulher para comandar o País: cerca de 1,65 milhões de pessoas. Em Irecê, município administrado pelo PT, a platéia da presidente foi formada por cerca de 2 mil pessoas, na maioria, mulheres beneficiárias de programas sociais do governo federal.
No discurso de 31 minutos, a presidente gastou boa parte do tempo na citação enfadonha de interminável lista de agradecimentos a prefeitos da região - 51, ao todo. Não há boa vontade e paciência que resistam. E foi aí que a presidente errou o nome de Ibititá e aproveitou para manifestar sinais de desconforto e irritação com seus assessores de comunicação em Brasília, que não colocaram o acento agudo no A da cidade baiana na lista que deram para ela ler.
O entusiasmo do público no comício caiu e só foi recuperado quando Dilma transmitiu os beijos e os recados mandados por Lula para os nordestinos. “Amaldiçoado quem pensar mal dessas coisas”, diriam ironicamente os franceses. Mas, sinais são sinais!
Bom Carnaval para todos.
Vitor Hugo Soares é jornalista. E-mail: vitor_soares1@terra.com.br
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