terça-feira, 3 de maio de 2011

Colibri corre o risco de fechar e deixar cerca de 80 crianças e jovens com Síndrome de Down sem aulas

Escola Colibri corre o risco de fechar e deixar cerca de 80 crianças e jovens com Síndrome de Down sem aulas - O Globo:

Plantão | Publicada em 03/05/2011 às 13h24m
Martha Neiva Moreira



Crianças com Síndrome de Down - Atividade esportiva de volei na escola Colibri, na Lagoa. Foto Carlos Ivan / Agência O Globo

RIO - Dalva Rodrigues está de mudança. Terá que sair do casarão da Rua Fonte da Saudade, na Lagoa, onde oferece atendimento especializado para 80 crianças, jovens e adultos com Síndrome de Down. Há 36 anos ela dirige a escola que fundou, a Colibri, e agora busca um novo endereço para se estabelecer porque o proprietário pediu o imóvel, como revelou hoje a revista Razão Social, do jornal O GLOBO. Há tempos a instituição passa por dificuldades. A dívida de IPTU chega a R$ 120 mil, mas Dalva não desanima e os pais agradecem porque temem ter que matricular os filhos em uma escola regular. Mais do que o fim de um projeto de vida, que beneficiou inúmeras famílias, a ameaça de fechamento da Colibri traz à tona um tema que, no debate sobre Educação no país, acaba ficando à margem: o da inclusão de portadores de necessidades especiais no sistema formal de ensino. A prática se baseia na ideia de criar condições para que as diferenças se encontrem e convivam em harmonia, princípio de uma sociedade mais justa e sustentável.

Desde 1996, quando foi sancionada a Lei de Diretrizes e Base da Educação (LDB), é dever do Estado oferecer 'atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com necessidades especiais, preferencialmente na rede regular de ensino'. No entanto, na prática, o que ocorre é que os pais ainda ficam apreensivos em ver seus filhos em uma turma convencional.

- Tenho muitos alunos cujos pais nunca tentaram colocá-los em uma escola regular- conta Dalva.

É o caso de Maria do Carmo Germano, mãe de Solange, que hoje tem 43 anos e frequenta a Colibri desde 1986. Ela disse que a filha jamais entrou numa escola tradicional e os conhecimentos que aprendeu, como escrever o nome por exemplo, foi ela ou as professoras da Colibri que ensinaram.

' Tenho muitos alunos cujos pais nunca tentaram colocá-los em uma escola regular '

Ex-secretária municipal de Educação do Rio de Janeiro e consultora na área de ensino, Regina de Assis defende que crianças surdas, cegas e com Síndrome de Down frequentem a escola regular. Ela entende que não há razão para segregá-los, pois, embora possam ter algum comprometimento cognitivo ou de linguagem, têm condições afetivas para conviver socialmente.

Nas redes públicas de ensino, por exigência da LDB, é obrigatório que as escolas mantenham classes ou salas especiais para que alunos portadores de deficiência tenham atendimento especializado, além das aulas regulares caso necessário. Mesmo assim, segundo informações do site da Secretaria Municipal de Educação do Rio, há pouco mais de cinco mil alunos matriculados nas classes de Educação Especial na rede, menos de 1% do total de matrículas, hoje em 640 mil.

A quantidade relativamente pequena encontra justificativa no que hoje faz parte do discurso dos pais de crianças da Colibri. Eles temem não encontrar nas escolas convencionais profissionais preparados para lidar com as necessidades dos filhos. A tarefa exige especialização. O que, segundo Regina de Assis, ainda deixa a desejar tanto na rede pública quanto na particular:

- Os professores não são bem preparados para trabalhar com essas crianças nos cursos de formação e ainda são poucos os que buscam especialização. Os sistemas de ensino deveriam capacitá-los, o que também ainda não acontece como deveria. Nem na rede pública e muito menos na particular, que é preconceituosa. O que está em jogo é um direito dessas crianças, previsto em lei, de receber educação que atenda às suas necessidades. As famílias podem exigir isso.

' O que está em jogo é um direito dessas crianças, previsto em lei, de receber educação '

Iara Ferreira do Santos, mãe de Tuany, 13 anos, também aluno da Colibri, levou durante alguns meses a filha a uma escola da rede municipal do Rio. A experiência não foi boa.

- Esta escola tinha as tais salas especiais, mas mesmo assim minha filha não se adaptou. A professora não era preparada para lidar com ela, achava minha filha muito pirracenta e dizia isso para mim. Até que um dia, cheguei para pegá-la e quando olhei pelo vidro da sala vi que tinha outras crianças segurando a porta para ela não sair. Não tinha ninguém na sala. Esse tipo de situação pode até ser corriqueira, mas para famílias que criam crianças com algum tipo de problema gera estresse. A nossa relação com o professor e com a escola precisa ser de muita confiança.

Daniela Nobre, mãe de Tomás, 9 anos, tem insistido. Ela matriculou o menino no início do ano na rede pública e diz que não está sendo fácil. O menino tem dificuldade para se adaptar e, ela, medo de preconceito das outras crianças com ele. Mas quer insistir, pois acha que a oportunidade é única para seu filho desenvolver alguma autonomia e para as outras crianças terem contanto com o diferente.

' Acho que uma sociedade que prega a sustentabilidade deve tratar quem tem necessidades diferentes de forma diferenciada '

A apreensão de Daniela é para Marta Porto, secretária de Cidadania e Diversidade Cultural do Ministério da Cultura, reflexo de uma sociedade que ainda não conseguiu consolidar um senso de justiça social:

- Vivemos um momento de inclusão econômica e redução de indicadores de pobreza. Somos protagonistas mundiais no que se refere às preocupações ambientais. Mas ainda não conseguimos melhorar nossa consciência ética. Os cadeirantes têm sua mobilidade comprometida porque a nossa sociedade não cria condições para ele sobreviver com dignidade. Acho que uma sociedade que prega a sustentabilidade deve tratar quem tem necessidades diferentes de forma diferenciada.

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