Publicada em 20/05/2011 às 18h51m
Cláudia Franco Corrêa*
Tenho notado que muita gente tem se incomodado com a forma com que a questão da aceitabilidade da diversidade sexual veio à tona nos últimos dias. É fato que muita gente alega que estaríamos vivendo um momento de tentativa de supremacia homossexual, tendo em vista que grupos associados à causa gay têm exigido maior tutela de direitos concernentes às suas cidadanias.
A questão apimenta de certa forma o debate público e nos faz observar como a sociedade brasileira se acostumou aos tratamentos desiguais no que é reputado ao tratamento na lei, utilizando, ao caso, a argumentação da liberdade de expressão. A lógica segue o seguinte: a pessoa tem direito a ser gay e eu tenho direito de dizer que ser gay é errado ou mesmo uma aberração, ou qualquer coisa do gênero.
A questão que se sobressai nesse emaranhado de opiniões é a importância do papel que o Estado Democrático de Direito deve ter como garantidor de direitos universais, direitos de cidadania, diga-se. Há escalonamento de cidadania? Há quem seja mais ou menos cidadão?
Outro dia, em sala de aula, um aluno obeso e negro, argumentou que não aguenta mais ouvir falar na "causa gay", que o Brasil tem coisa mais importante para debater e se preocupar... Confesso que por alguns instantes fiquei pensativa e, por certo, estupefata. Um negro obeso reclamando que preconceito não é assunto importante para a nação? Será então que em nome da liberdade de expressão posso, no espaço público, dizer que os obesos ocupam mais espaços, atrapalham o caminho dos outros e ainda causam problemas para a saúde pública com suas opções em comer demais e assim, promover uma campanha de discriminação aos gordos?
A naturalização das desmedidas de aplicação da lei da igualdade ainda me causam espanto. A questão que se sobressai nesse emaranhado de opiniões é a importância do papel que o Estado Democrático de Direito deve ter como garantidor de direitos universais, direitos de cidadania, diga-se. Há escalonamento de cidadania? Há quem seja mais ou menos cidadão?
A questão da cidadania igualitária supera as questões de grupos, ela deve estar acima de tudo isso. O fato é que, por termos optado pelo sistema de cidadania isonômica, no espaço público, não deve ser admitida a diminuição valorativa do ser humano pelas suas condições inerentes e, portanto, à todos deve ser imprimido um tratamento digno.
Também é fato que a lei pode, antes de ter simples conteúdo punitivo, possuir conteúdo educativo e norteador de uma sociedade mais humana e civilizada, onde o respeito mútuo seja dever essencial do existir em sociedade. O meu direito não precisa acabar para que o outro exerça o dele. Os direitos podem coexistir em harmonia, desde que haja respeito mútuo.
Seria ideal que não fosse necessário uma lei que proibisse e punisse quem acha natural diminuir uma pessoa por ser ela homossexual, judeu, negro ou qualquer outra característica. Mas, longe do ideal, vivemos em um Estado real que necessita de "aparos de arestas sociais", uma sociedade que ainda possui pessoas que acham que chamar negro de "macaco" é normal e que por estarem no seu "direito", podem ofender quem quiser. Isto não é liberdade de expressão, e sim liberdade de opressão.
*Mestre e doutora em Direito
Este texto foi escrito por uma leitora do Globo.
fonte: O GLOBO
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