domingo, 15 de maio de 2011

Empresário troca rotina de conforto por pesquisa na rua com mendigos



Foto: Felipe O'Neill / Agência O Dia

POR CRISTINE GERK

Rio - Flávio Duncan é um carioca como eu ou você, mas com uma diferença fundamental: em vez de fechar rapidamente o vidro do carro, ele resolveu sentar para conversar com os moradores de rua da cidade e tentar entendê-los. O empresário de 30 anos passou quatro meses em 11 bairros e falou com 482 mendigos. A surpresa dele foi descobrir que muitos recebem benefícios sociais do governo e têm Ensino Fundamental completo, mas preferem viver na rua porque a realidade em casa é ainda pior.

ODIA: Por que você resolveu fazer esta pesquisa?
FLÁVIO: Ficava muito incomodado de ver as pessoas na rua. Queria entender o que levaram-nas até lá, como elas viviam. Não tenho vinculação política, só queria ajudar. Levei um amigo para fotografar enquanto eu entrevistava, para um futuro livro. Tinha dias em que era agredido, mal-recebido. Às vezes me tratavam como um amigo. Chorava ao chegar em casa. Não tem como não se sensibilizar. Podia ser sua mãe, sua irmã ali, estuprada, cheia de filho na rua.

Quem são essas pessoas?
Grande parte dos que vão para as ruas é vítima de abuso sexual ou violência doméstica. As mulheres preferem fugir e não têm coragem de prestar queixa, porque em 90% dos casos são dependentes financeiramente do agressor. A maioria tem entre 25 e 45 anos, 85% deles são viciados em álcool ou crack. Muitos vêm de outras cidades do Rio, fugidos da polícia. Eles têm educação, 389 deles têm Ensino Fundamental completo e 431 fazem ou fizeram uso de algum programa social do governo. O que falta é capacitação profissional.

Como é o cotidiano deles?
Eles se dividem em grupos, com um líder que recebe os frutos de roubos, bicos e doações e redistribui. Esse chefão dá a comida e a bebida para todos e arruma lugar para dormir. É a lei do mais forte, um sistema de sobrevivência. Se alguém esconde alguma coisa e outro percebe, ele é retaliado, toma até facada. Sem contar que eles e roubam e estupram uns aos outros. Então, precisam ser protegidos por alguém. De quinta a sábado, não ‘dão mole’ por aí, porque tem muita gente que sai de boate e vai fazer xixi neles, joga garrafa, rasga roupa, bate. Geralmente dormem quando já está quase amanhecendo e se aglomeram de tarde. Ficam mais na Zona Sul porque tem restaurante, gente que doa comida, turista. Por isso, ali roubam menos. No Centro, os furtos rolam soltos.

Quais os sonhos deles?
Nem passa pela cabeça deles arrumar emprego. Falam muito em Deus, que um dia vão mudar de vida, mas não têm planos. Eles se aproveitam dos grupos religiosos, mas não levam a sério. As mulheres sabem que existe camisinha, onde podem pegar, mas não se preocupam se vão ter filho. Para elas, tanto faz. Só vivem revoltados com a Guarda Municipal e com a PM. E se alimentam da convicção de que uma pessoa bem-vestida tem obrigação de dar dinheiro a eles, sobretudo para mulheres com criança no colo. Ficam revoltados com a indiferença.

Por que não ficam nos abrigos?
Dizem que o abrigo é desleixado, que são maltratados. Mas o principal é o fato de serem dependentes e lá não podem alimentar seus vícios. Falta no abrigo abordagem profissional, psicológica e desintoxicação. As pessoas precisam ter perspectiva. A prefeitura já gastou uma grana para arborizar ruas e praças. Por que não aproveita para capacitar essas pessoas em botânica e jardinagem? É preciso ensinar noções de higiene, etiqueta social, incluí-los digitalmente. Morei na Europa e vi como essas pessoas são atendidas. Os governos lá são menos paternalistas. Não adianta só dar dinheiro, tem que ensiná-los a fazer alguma coisa. Muitos vivem do lixo, mas o governo não oferece para essas pessoas um curso de como vender, coletar e ganhar dinheiro com isso. Acabam sendo explorados por ferros-velhos e torrando tudo o que ganham em bebida.



fonte: O DIA ONLINE

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