O DIA ONLINE - DIVERSÃO & TV - Neuzinha Brizola não foi a mulher mais louca do seu tempo:
POR BRUNO ASTUTO
Rio - Neuzinha Brizola não foi a mulher mais louca do seu tempo — nos anos 80, era difícil saber quem aprontava mais neste Rio de Janeiro —, mas suas histórias eram, com certeza, as mais deliciosas, acompanhadas como uma novela pelos cariocas pasmos diante da audácia da filha do governador. Estávamos recém-saídos de uma ditadura horrorosa e pouca gente imaginava que era possível desafiar o poder público do jeito que Neuzinha desafiou. No caso, o poder público era seu pai.
Quem vive hoje na cidade não imagina que ela já foi quase uma sucursal do hospício. Afinal, os tempos são outros: o Rio virou uma academia de ginástica a céu aberto, em que boate é matinê de criança de 18 anos e droga é coisa de quem sustenta traficante que oprime a população das comunidades na favela. Mas, naquela época, ninguém pensava nisso; o que importava era ser “chocante”, a gíria das gírias, e nunca houve uma chocante como Neuzinha, que se casou em 83 de preto, numa rodoviária, em cerimônia à qual se seguiu uma festa em que uma chicoteadora, uma engolidora de fogo e garçons encapuzados à la Ku Klux Klan entretinham os convidados.
Certa vez, no Hippopotamus, ela esbarrou com o filho do maior desafeto político de Brizola na época. Ficou aquele clima de saia-justa, um num canto da boate, outro na extremidade oposta, até que Neuzinha resolveu quebrar o gelo e chamar o fotógrafo para clicar a dupla, toda sorridente. O registro saiu na coluna de Zózimo e foi o tititi da cidade.
Para divulgar sua música, ela fez de tudo, inclusive o famoso ensaio para a ‘Playboy’, que não era de capa, mas apenas uma foto em que mostrava um único seio, “ingenuamente”. Neuzinha era capaz de en-lou-que-cer o pai, mas o amava tanto que foi levar as polaroides do ensaio ao palácio para que ele as aprovasse. Brizola não só não aprovou, como entrou com uma liminar na Justiça para proibir a circulação da revista, que acabou não saindo — coisa impensável hoje. Ela ficou arrasada, mas decidiu obedecer e não brigar na Justiça (ficou com o cachê e ninguém pensou em pedir o dinheiro de volta).
“Não contestei porque não queria brigar. As pessoas pensam que nossa relação era ruim, mas ele foi um ótimo pai, muito amoroso”, declarou-me, certa vez, numa entrevista. E lembrou também os almoços diários na copa do apartamento de Brizola, em seus últimos meses de vida. “Ele tinha um jeito especial de fritar carne. Até hoje não consegui comer um bife melhor”. Era uma boa filha, a seu modo.
Seus maiores hits, ‘Mintchura’ e ‘Zumbi’ (“Mais de uma semana que estou sem dormir, acho que não vou resistir... Eu vou virar zumbi, zumbi, e não posso dormir”), fizeram realmente sucesso; ela era sempre chamada para se apresentar no Chacrinha e ‘Globo de Ouro’, termômetros inegáveis de popularidade, pulando e rodopiando o rabo de cavalo alto e desengonçado, que virou moda. No fim dos anos 80, quando já tinha deixado sua marca nos trópicos, mudou-se para Amsterdã para curtir em paz sua, digamos, filosofia. Exausta, arrumou um namorado e foi experimentar uma vida prosaica em Trancoso, no sul da Bahia. “Não aguentei, confesso. Sou urbana demais para aquilo. Muita natureza não dá certo”, suspirou em sua última entrevista à coluna.
Nos últimos anos, em paz com o passado e livre dos excessos, deixou aflorar as facetas que o grande público desconhecia: a de mãe e avó amorosíssima, amiga querida, produtora cultural cheia de ideias mirabolantes e guardiã da memória do pai a quem deu tantas dores de cabeça e por quem era completamente apaixonada. Dizia que não se arrependia de nada, que os anos 80 foram maravilhosos e que ela aproveitou tudo o que tinha que aproveitar. Só lembrava, com sofrimento, os anos de exílio. “Os pais dos meus amigos de colégio tinham preconceito contra filhos de exilados. Achavam que eram comunistas que comiam criancinhas. Quando voltei, escancarei. Foi um grito de liberdade, um porre de democracia”. As festas no céu prometem ficar bem mais animadas. Beijo, me liga, até amanhã.
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